Atividade discursiva nas salas de aula de ciências

ATIVIDADE DISCURSIVA NAS SALAS DE AULA DE CIÊNCIAS: UMA FERRAMENTA SOCIOCULTURAL PARA ANALISAR E PLANEJAR O ENSINO¹

No texto, Atividade discursiva nas salas de aula de ciências: uma ferramenta sociocultural para analisar e planejar o ensino, é feita uma abordagem sobre as formas em que professores interajam com estudantes a fazer sentido, sobre o plano social da ciência no ensino médio. O desenvolvimento da ferramenta analítica ou quadro baseia-se na teoria sociocultural e de cada um dos cinco aspectos do quadro é traçado antes de serem aplicados à análise de um curto ensino de ciência e de sequência aprendizagem. Alguns pontos fundamentais para o ensino de ciência decorrerem desta análise, em especial em relação ao que é identificado como sendo o aspecto central da “abordagem comunicativa”. Por último, os autores discutem as potencialidades tanto como uma ferramenta analítica e de um planejamento no contexto do desenvolvimento profissional docente.

De acordo com os autores, a influência da psicologia sócio histórica ou sociocultural na pesquisa em Educação em Ciências tem resultado no desenvolvimento gradual do interesse sobre o processo de significação em salas de aula de ciências, gerando um programa de pesquisa que procura responder como os significados são criados e desenvolvidos por meio do uso da linguagem e outros modos de comunicação.

Nesta perspectiva, a educação em ciência sinaliza um deslocamento dos estudos dos estudos sobre o entendimento individual dos estudantes sobre fenômenos específicos para a pesquisa sobre a forma como os significados e entendimentos são desenvolvidos no contexto social da sala de aula. Conforme os autores, o processo de conceituação é equacionado com a construção de significados, segundo Vygotsky, o que significa que o foco é no processo de significação. Os significados são vistos como polissêmicos e polifônicos, criados na interação social e então internalizados pelos indivíduos. Sendo assim, o processo de aprendizagem é visto como negociação de novos significados num espaço comunicativo no qual há o encontro entre diferentes perspectivas culturais, num processo de crescimento mútuo.

Além disso, muitos professores não dão ênfase a momentos de discussão para que os alunos tenham novos significados em sala de aula. Contudo, os autores propõem uma ferramenta para analisar a forma como os professores podem agir para guiar as interações que resultam na construção de significados em salas de aula de ciências. Essa ferramenta é o produto de uma tentativa de desenvolver uma linguagem para descrever o gênero de discurso, segundo Baktin, das salas de aula de ciências.

Neste artigo, é dividido em duas partes. A primeira parte do artigo aborda os vários aspectos que constituem a ferramenta analítica e a produção de significados em salas de aula de ciências. Nesta etapa, a ferramenta analítica é baseada em cinco aspectos inter-relacionados que focalizam o papel do professor e são agrupadas em termos de focos de ensino, abordagem e ações.

O primeiro aspecto é a intenção do professor que estão relacionados com o professor que planejou o seu roteiro. Essas intenções que são derivadas de outros aspectos da teoria sociocultural e da nossa própria experiência como pesquisadores da sala de aula podem ser assim sintetizadas: criando um problema, explorando a visão dos estudantes, introduzindo e desenvolvendo a ‘estória científica’, disponibilizando ideias científicas ( incluindo temas conceituais, epistemológicos, tecnológicos e ambientais) no plano social da sala de aula; guiando os estudantes no trabalho com as ideias científicas, e dando suporte ao processo de internalização; guiando os estudantes na aplicação das ideias científicas e na expansão de seu uso, transferindo progressivamente para eles o controle e responsabilidade por esse uso e mantendo a narrativa, prover comentários sobre o desenrolar da ‘estória científica’, de modo a ajudar os estudantes a seguir o currículo de ciências como um todo.

O outro aspecto que os autores abordam é o conteúdo do discurso de sala de aula que podem ser consideradas como características fundamentais da linguagem social da ciência escolar, tomando por base a distinção entre descrição (envolve enunciados que se referem a um sistema, em termos de seus constituintes), explicação (envolve importar algum modelo teórico ou mecanismo para se referir a um fenômeno ou sistema específico) e generalização( envolve elaborar descrições ou explicações que são independente de um contexto específico). Sendo assim, a relação entre descrição ou explicação e generalizações podem ser caracterizadas como empíricas ou teóricas.

A abordagem comunicativa fornece uma perspectiva sobre como o professor trabalha as intenções e conteúdo do ensino por meio de diferentes intervenções pedagógicas que resultam em diferentes padrões de interação. A definição que os autores sobre abordagem comunicativa estão voltados para caracterização do discurso entre professor e alunos ou entre alunos em termos de duas dimensões: discurso dialógico ou de autoridade; discurso interativo ou não –interativo.

Quando o professor considera o que o estudante tem a dizer do ponto de vista do próprio estudante e há uma Inter animação de ideias. Este tipo de interação constitui uma abordagem comunicativa dialógica. Enquanto a outra abordagem, o professor considera o que estudante tem a dizer apenas do ponto de vista do discurso científico escolar que está sendo construído. Sendo assim, não há inter animação de ideias.

O quarto aspecto, segundo os autores, faz uma análise especifica padrões de interação que emergem na medida em que professor e alunos alternam turnos de fala na sala de aula. O mais comum são as tríades I-R-A (Iniciação do professor, Resposta do aluno, Avaliação do professor), mas outros padrões também podem ser observados. Por exemplos, em algumas interações o professor apenas sustenta a elaboração de um enunciado pelo aluno, por meio de intervenções curtas que muitas vezes repetem parte do que o aluno acabou de falar, ou fornecem um feedback para que os estudantes elaborem um pouco essa fala.

O quinto aspecto da análise específica as formas de intervenções pedagógicas do professor e baseia-se em no esquema de Scott (1998), no qual seis formas de intervenção pedagógica foram identificadas. Os autores relacionam seis formas: dando forma aos significados; selecionando significados; marcando significados chaves; compartilhando significados; checando o entendimento dos estudantes e revendo o progresso da estória científica.

Na segunda parte do artigo, os autores analisam uma sequência de três aulas planejadas para introduzir o assunto ‘Reações Químicas’ no contexto da reação de formação de ferrugem.  Finalmente, os resultados dessa análise serão discutidos de modo a considerar o uso mais amplo da ferramenta tanto como instrumento de análise como para o planejamento de aulas.

O movimento entre as diferentes abordagens comunicativas é mostrado para cada um dos três ciclos de atividade. Por meio de cada um desses ciclos, o conteúdo do discurso da sala de aula vai modificando-se progressivamente: dos lugares onde foram colocados os pregos para coisas existentes nesses lugares; dessas coisas para as coisas essenciais; e, finalmente, das coisas essenciais para a prova científica para as coisas essenciais. Colocando os ciclos de abordagens comunicativas juntos com essas mudanças no conteúdo, nós podemos ver o desenvolvimento de uma ‘espiral de ensino’ que emerge da diversidade das ideias iniciais dos estudantes, fortemente ligadas à contextos cotidianos de ocorrência da ferrugem, e espirala-se em direção ao ponto de vista científico, geral e independente de contexto.

Enfim, os autores acreditam que para que uma ferramenta analítica tenha impacto nas práticas pedagógicas do dia a dia, no ensino de ciências, ela deve preencher dois critérios básicos: 1) ela precisa capturar efetivamente os aspectos chaves do que acontece nas salas de aula; 2) ela precisa ser desenvolvida num nível de detalhe apropriado, de modo a facilitar o trabalho de análise e planejamento de ensino. Bem no centro da nossa estrutura analítica está a ideias de quatro classes diferentes de abordagem comunicativa. E, demonstraram que os outros aspectos da estrutura analítica se articulam de forma coerente em torno da análise das abordagens comunicativas.

 

 

 

¹MORTIMER, E. F.; SCOTT, P. Atividade discursiva nas salas de aula de ciências: uma ferramenta sociocultural para analisar e planejar o ensino. Investigações em Ensino de Ciências, v. 7, n. 3, dez. 2002. Disponível em <http://www.if.ufrgs.br/public/ensino/ revista.htm. Acesso em 22 maio 2008.
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